Sul da França: Relatos de viagens em 2 livros

2021-02-09T15:13:44-02:00

Trago neste post um pouco do Sul da França em dois relatos de viagens.

Sempre penso em viajar. Hoje, amanhã, mês que vem, no verão, inverno.

E claro, penso em literatura.

Assim, considero relatos de viagens uma forma de viajar pelo olhar do outro.

Costumo consumir muito conteúdo relacionado ao tema: viajar. Roteiros, promoções, hotéis, passeios e mais recentemente os relatos de viagens.

É certo que viagens e livros são paixão de muitos.

Mas tentarei deixar de lado o velho cliché de viajar pela leitura para falar sobre o livro O Homem que plantava árvores e também sobre Viagem com um burro pelas Cevenas.

Entretanto considero estes dois relatos de viagens, um tanto incomuns. Talvez pela época em que seus narradores passaram por tais aventuras. Ou até pela forma inusitada de viajar, por paragens que talvez não tivesse vontade, ou coragem, de desbravar.

Começo então por uma semelhança: ambos ambientados no sul da França.

Livros sobre relatos de viagens

1- O Homem que plantava árvores, de Jean Giono

Capa do livro: O homem que plantava árvores

O primeiro relato está no livro : O Homem que Plantava Árvores, do francês Jean Giono.

Giono nos leva ao sul da França do início do século XX, descrito como um lugar desolado, desprovido de tudo. Ermo, descampado, seco.

É neste local, onde os Alpes entram pela Provença e onde nasceu o autor, que se inicia a narrativa de O Homem Que Plantava Árvores.

Vilarejos em ruínas, poucas famílias apinhadas umas sobre as outras, em locais onde ainda podiam alimentar ganâncias com o que restava do carvão de madeira.

ali o vento sopra e irrita os nervos... mulheres cozinham rancores em fogo brando.

Neste clima de extrema aspereza, o narrador nos apresenta Elzéard Bouffier, que com sua generosidade e ações sem busca de recompensa, resolve deixar marcas visíveis no mundo. Nem a solidão ou mesmo duas guerras mundiais, foram capazes de impedi-lo.

Uma forma diferente de conhecermos o sul da França por relatos de viagens de antes da Primeira Guerra e acompanharmos sua transformação nas inúmeras vezes em que o narrador retorna ao local.

Leitura deliciosa, poética e imperdível.

A edição do livro O homem que plantava árvores

A Editora 34 caprichou no projeto gráfico.

As ilustrações, de Daniel Bueno,  começam em tons terrosos, acompanham a viagem, a transformação do ambiente e encantam em cores e formas. No meio do livro há também folhas, ramos, sementes e frutos de algumas das espécies de árvores mencionadas no texto.

Ao final, em nota editorial, há curiosa explicação de como o autor lidou com as constantes indagações sobre a identidade, real ou não, de Elzéard Bouffier após a publicação do livro.

Sobre esta história já foram feitas também algumas animações. Deixo aqui o link  de um vídeo com legendas em português. Vale a pena assisti-lo, mas aconselho, após a leitura.

Vamos agora para outra parte do Sul da França em relatos de viagens.

2- Viagem com um burro pelas Cevenas, de Robert Louis Stevenson

Capa do livro; Viagem com um burro pelas Cevenas

O segundo relato que quero destacar é também de uma viagem em direção ao sul da França, de alguns anos antes do primeiro.

Só que pelo olhar de Robert Louis Stevenson, mais conhecido como autor de outros gêneros literários como A ilha do tesouro ou O estranho caso do Dr. Jekyll e Sr. Hyde.

Contudo, muito antes destas publicações, por volta de 1878, Stevenson põe na cabeça que vai exploras as Cevenas, cadeia montanhosa localizada no sul da França.

Assim, planeja tudo que um turista escocês precisaria carregar em um burro para tal empreitada, que causou surpresa no hospitaleiro povo montanhês da época. Inicia sua aventura em Monastier, no Alto Loire, com a intenção de conclui-la em Alais.

O burro é uma burra: Modestine

Em Monastier adquire sua grande companheira de viagem, uma burra cinza como um rato e só um pouco maior que um deles.

Stevenson a nomeia Modestine, por acreditá-la desprovida de vaidade. Mas, como vemos no posfácio de Gilles Lapouge, este também é:

… um relato nostálgico, divertido e arrependido de uma paixão desfeita… Algumas horas de vida em comum a burra vira um demônio e Stevenson se comporta como um crápula.

Porém, Modestine dá estilo à narrativa. Sua extrema lentidão e teimosia, desvia o itinerário programado para lugares imprevistos.

Ao mesmo tempo, Stevenson já muito irritado, acredita que a burra tem predileção por caminhos medíocres e tortuosos. Lapouge contemporiza:

…Modestine  considera a viagem uma liberdade, uma surpresa, e que o exotismo começa a dois passos de casa, contanto que estejamos perdidos.

Viajar por viajar

A inconstância do percurso, com tantos atalhos e desvios, faz o sucesso da viagem. Tanto que o próprio Stevenson, resignado, vai mudando sua visão:

…Da minha parte, não viajo para ir a algum lugar, mas para ir. Viajo por viajar. A grande questão é mover-se; sentir as necessidades e os percalços da vida mais de perto; sair do leito de penas que é a civilização e encontrar sob os pés o globo granítico cheio de farpas cortantes…

Mas a viagem segue além dos percalços com Modestine. Stevenson relata a sensação de viajar por uma região de beleza estonteante, dormindo ao ar livre, com a serena influência das estrelas sobre a mente.

A maior parte da poesia é sobre as estrelas; e com muita justiça, pois elas próprias são as mais clássicas dos poetas.

Uma viagem de desprendimento

Ainda que por vezes isoladas ou selvagens, Stevenson descreve regiões que já esconderam grandes conflitos entre católicos e protestantes.

Assim, em boa parte de seus encontros em hospedarias ou conversas pelo caminho, a questão religiosa vêm à tona.

Entretanto, mesmo afirmando-se protestante, o viajante deixa claro que entrar discussões, ainda remanescentes em alguns locais, não é seu objetivo:

… com o segundo ainda era possível sustentar uma conversa e trocar alguns pensamentos sinceros. Neste mundo de imperfeição, acolhemos com alegria mesmo intimidades parciais. E, se encontrarmos ao menos uma pessoa com quem nosso coração possa falar com liberdade e com quem possamos caminhar no amor e na simplicidade sem dissimulação, não temos base para brigar com o mundo ou Deus.

Mesmo em regiões onde não há nada a se ver, Stevenson vê muitas coisas. Um certo tédio é ingrediente precioso nesta viagem, além de resignação com sua burra que jamais consulta um mapa.

Mas vale acompanhar o peregrino Stevenson nesta viagem de desprendimento, austeridade e certa indigência, que se encerra após treze dias em Saint-Jean-du-Gard. No futuro o autor mudaria muito o estilo ou dimensão de suas viagens ou deslocamentos.

E vale principalmente por Modestine, um burro que lhe ensina muito sobre o mundo.

A edição do livro Viagem com um burro pelas Cevenas

Na bela edição da Editora Carambaia o destaque é capa. Seu toque nos remete o tempo todo à Modestine. Foi de grande valia também o mapa da França, ressaltando as Cevenas, o percurso com as cidades e os dias de duração da viagem.

O caminho tortuoso seguido pelos viajantes é refletido na margem central, não justificada, além de apontar as constantes mudanças de localização.

Contudo, é importante destacar como já mencionei, o posfácio de Gilles Lapouge que nos brinda também com a cronologia da vida do autor, de seu nascimento em 1850 até sua morte em 1894.

Por fim, já que estamos falando do sul da França em relatos de viagens, veja como foi a nossa de 5 dias pelo Vale lo Loire no post: O Vale do Loire e a Rainha Catarina de Médicis

Veja mais detalhes dos livros nos links abaixo:

Livro 1: O homem que plantava árvores

Autor: Jean Giono

Editora 34

Livro 2: Viagem com um burro pelas Cevenas

Autor: Robert Louis Stevenson

Editora Carambaia

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